Inovando a Gestão de Licitação para o Desenvolvimento Local pela Administração Pública.
A gestão pública mais eficiente como forma de desenvolver uma determinada localidade através da licitação. Um ensaio técnico.
A RENOVAÇÃO DA PROPOSTA NOS CONTRATOS PÚBLICOS QUANDO ULTRAPASSADOS 60 DIAS DA REALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO
THE RENEWAL OF THE PROPOSAL IN PUBLIC CONTRACTS WHEN 60 DAYS OF BIDDING EXCEEDED
LEONARDO FALCÃO RIBEIRO
RESUMO: O presente artigo versa sobre a possibilidade de alteração do marco inicial para contagem de reajustamento de preços nos contratos públicos quando há a renovação da proposta, ou seja, 60 (sessenta) dias após a realização do procedimento licitatório, com a assinatura do ajuste pelas partes contratantes. Transcorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega da proposta, o particular encontra-se desvinculado dos compromissos assumidos no certame, com fulcro no art. 64, §3º da Lei Federal n. 8.666/93. Caso o proponente aceite pactuar com a Administração Pública, sem ressalvar que sua a proposta sofreu desvalorização monetária, em razão do transcurso de tempo, opera-se a preclusão lógica do direito de ter o reajuste contado da data da licitação ou do orçamento-base, nos termos da Lei Federal n. 10.192/01. Assim, para fins de reajuste, defende-se que o termo inicial será a data de assinatura do contrato. Para tanto, o método aplicado é o teórico e baseia-se nos preceitos contidos na Lei de Licitações e Contratos Públicos (Lei 8.666/93), bem como na Lei do Plano Real (Lei 10.192/01), além da construção doutrinária acerca do tema.
PALAVRAS-CHAVES: Contrato público. Licitação. Renovação da proposta de preço. Preclusão lógica.
ABSTRACT: This article deals with the possibility of altering the initial contagion structure for the adjustment of public contracts, when the proposal is renewed, or 60 days (sixty) days after the bidding process, with the signature of the adjustment by the contracting parties. After 60 (sixty) days from the date of submission of the proposal, or in particular, two commitments assumed, not attributed to me, are fulfilled, without complete art. 64, Paragraph 3 of Law 8.666 / 93. If or proposing an oil pact with the Public Administration, it is important to consider that a devaluation of money is made over time, the logic of direct land management or the adjustment counted from the date of the bidding or bidding or the thermos flask of Law 10.192 / 01. Thus, for the purposes of readjustment, it defends that the initial term will be of contractual guarantee. For both, or the theoretical and basic method applied, we have precepts contained in the Public Bids and Contracts Law (Law 8.666 / 93), as well as in the Real Plan Law (10.192/01), in addition to the doctrinal construction on the subject.
KEYWORDS: Public contract. Bidding. Renewal of the price proposal. Logical preclusion.
1 INTRODUÇÃO
Os contratos públicos constituem importante instrumento utilizado pela Administração para atender ao interesse público. A minuta contratual firmada entre o Poder Público e o particular comporta todo e qualquer ajuste regido predominante pelo direito público, mas sujeito, supletivamente, às normas do direito privado.
A supremacia do interesse público possibilita que a Administração Pública elabore as chamadas cláusulas exorbitantes, com fulcro no art. 58 da Lei Federal n. 8.666/93, priorizando o interesse do Estado em detrimento do interesse privado. Portanto, nos contratos administrativos resta configurado que as partes não estão colocadas em uma situação de igualdade.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 633-634) leciona que os contratos públicos correspondem a um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros, na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas sujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público.
O contrato administrativo institui um típico negócio jurídico pautado pela bilateralidade. Sendo assim, a formação do vínculo depende da concordância entre as partes, caso contrário, não gerará obrigações.
As contratações representam um significativo avanço na implementação de políticas públicas, com a finalidade de entregar bens e serviços à sociedade. O setor público representa um dos principais compradores do país, resultando de 10% a 15% do PIB brasileiro (IPEA, 2011).
Salvo nos casos excepcionais de contratação direta, em regra, o procedimento que antecede as contratações é denominado licitação, sendo composto de critérios objetivos e impessoais, indicados por lei, com o intuito de selecionar a melhor proposta apresentada à Administração Pública.
Com o objetivo de estabelecer procedimentos contratuais éticos e transparentes, a Lei Federal n. 8.666/93 determina que os ajustes públicos são caracterizados pela sua formalidade, concebendo um processo complexo e demorado.
De certa forma, todos esses requisitos acabam tornando o certame licitatório mais lento. Não são raras situações em que o processo voltado à contratação pública chega a ultrapassar o período de 12 (doze) meses, apresentando um extenso intervalo entre a realização do certame e a consequente assinatura do contrato.
A demora na formalização desse instrumento repercurte diretamente no equilíbrio econômico e financeiro do contrato, isto é, na necessidade de manutenção das condições da proposta vencedora na licitação ou na contratação direta.
A equação econômico-financeira considera os encargos do contratado e o valor a ser pago pela Administração, devendo ser preservada durante toda a execução do contrato. Dessa forma, quanto maior a passagem de tempo, maior será a perda do poder aquisitivo da moeda.
A legislação consagra diversos mecanismos para evitar o desequilíbrio dessa equação econômica no curso do contrato, destacaremos, dentre eles, o reajuste.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2015, p. 230) conceitua o reajuste como a cláusula necessária dos contratos administrativos cujo objetivo é preservar o valor do contrato diante da inflação (art. 40, XI e art. 55, III, da Lei 8666/92).
Em virtude da previsibilidade das oscilações econômicas que acarretarão desequilíbrio no contrato, as partes elegem, previamente, determinado índice que atualizará automaticamente o ajuste. O reajuste possui periodicidade anual contada a partir da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento base a que se referir, conforme estabelece o art. 3º, §1º da Lei Federal n. 10.192/01.
Contudo, como já afirmado, a demora na tramitação do processo licitatório possibilita que a assinatura do contrato ocorra após os 60 (sessenta) dias da entrega da proposta, momento no qual o particular não está mais vinculado aos compromissos assumidos (art. 64, §3º, da Lei Federal n. 8.666/93).
A concordância do particular em assinar o contrato com a Administração, nas mesmas condições do período em que entregou sua proposta, define a formulação de uma nova proposta, pois ainda que tenha transcorrido tempo e, consequentemente, desvalorizado a moeda, o licitante aceita que o valor pactuado não sofrerá modificação.
Neste caso, questiona-se: A renovação da proposta altera a data inicial de contagem do prazo para fins de reajuste? Qual ocasião revela-se mais adequada para efeito de reajuste: o orçamento-base, a apresentação da proposta ou a assinatura do contrato?
Esse escrito, portanto, defenderá que a renovação da proposta implica na alteração do marco inicial para contagem do reajuste, que passará a ser a data de assinatura do contrato, uma vez que o particular não se manifestou quanto ao desequilíbrio econômico sofrido pela sua proposta, por efeito da passagem de tempo.
Dessa forma, precluirá o direito do particular de ter o reajuste contado da data da licitação ou do orçamento.
Para tanto, utiliza-se do método de pesquisa qualitativo, com uso de análise bibliográfica e documental, pelo qual se busca compreender ou proporcionar um espaço para discussão, sem necessitar de coleta de dados e pesquisa de campo (TACHIZAWA e MENDES, 2006).
2 DO DIREITO AO REAJUSTE DE PREÇOS
O art. 55, da Lei Federal n. 8.666/93, inciso III, estabelece como cláusulas necessárias ao contrato: “o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento” (grifo nosso) (BRASIL, 1993).
Sobre o reajustamento de preços, José dos Santos Carvalho Filho (2011, 184) afirma que este se caracteriza como uma fórmula preventiva usada pelas partes, já no momento do contrato, com vistas a preservar os contratados dos efeitos do regime inflacionário.
O reajuste de preços também é abordado pela Lei Federal n. 8.666/93, em seu art. 40, inciso XI, sendo pertinente transcrever a redação do dispositivo mencionado. Veja-se:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela (BRASIL, 1993);
Sendo assim, o reajustamento de preços pode se dar sob a forma de reajuste por índices gerais, específicos ou setoriais, conforme o objeto da contratação. Faz-se, portanto, uma indexação dos preços, com a prévia definição no edital e no contrato, do índice e da variação de custos a ser utilizada.
É pertinente mencionar que a avença nesse sentido deve ser expressa, razão pela qual, sem ela, entende-se que o preço ajustado é fixo e irreajustável.
Ademais, a Lei n° 8.666/93 ainda dispõe que aos contratantes públicos é concedido o direito de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato no caso de fatos imprevisíveis. Vejamos:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...]
II - por acordo das partes:
[...]
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual. (grifo nosso) (BRASIL, 1993)
Neste caso, podemos afirmar que o equilíbrio econômico-financeiro representa uma matéria de ordem pública, que por decorrer de situação extraordinária e extracontraual, não poderá onerar uma das partes do contrato. É a chamada cláusula rebus sic stantibus intelliguntur ou teoria da imprevisão.
Ou seja, a ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios à ação dos contraente, tornando o contrato ruinoso para uma das partes, acarreta situação que não pode ser suportada unicamente pelo prejudicado (MELLO, 2014).
Contudo, a circunstância descrita no art. 65, inciso II, alínea “d”, para fatos imprevisíveis, não se aplica ao reajuste por índice, porquanto este alude disciplina ordinária e previsível aos contratantes. A respeito do tema, discorre o doutrinador Helly Lopes Meirelles (2002, p. 195):
[...] Esse reajuste de preços é uma conduta contratual autorizada por lei, para corrigir os efeitos ruinosos da inflação. Não é decorrência de imprevisão das partes contratantes; ao revés, é previsão de uma realidade existente, que vem alterando a conjuntura econômica em índices insuportáveis para o executor de obras, serviços ou fornecimentos de longa duração. Diante dessa realidade nacional, o legislador pátrio institucionalizou o reajuste de preços nos contratos administrativos facultando às partes adotá-lo ou não, segundo as conveniências da Administração em cada contrato que se firmar. Não se trata de uma imposição legal para todo contrato administrativo, mas sim de uma faculdade concedida à Administração de incluir a cláusula de reajustamento de preços e seus ajustes quando julgar necessário para evitar o desequilíbrio financeiro do contrato [...]
Diante do exposto, verifica-se que o reajuste é a forma encontrada pelo legislador para proporcionar o equilíbrio do contrato. Assegura-se por este instituto que nenhuma das partes suportará o ônus excessivo contratual, em razão do transcurso do tempo, prejudicando a sua mínima margem de lucro.
Todavia compreende uma faculdade aos contratados, podendo o particular dispor de tal benesse.
3 A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE NORMAS DO DIREITO PRIVADO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
É certo que a celebração de contratos administrativos tem como objetivo a satisfação do interesse público, logo a relação jurídica constituída será regida, predominantemente, pelo direito público, o qual atribui uma série de poderes ao ente administrativo contratante, algo que não ocorre em contratos privados comuns.
Assim, dentro da administração pública, a supremacia do interesse público incide diretamente sobre a maneira de se administrar a máquina pública, visto que estão previstos, no ordenamento jurídico, mecanismos que permitem atitudes administrativas que não seriam admitidas em relações particulares, as chamadas cláusulas exorbitantes.
Porém, isso não exclui a possibilidade de se incidir, subsidiariamente, em caráter supletivo, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado, conforme estampado no art. 54, caput, da Lei Federal n. 8666/1993.
Assim, nesse mesmo sentido, salienta Fernando Henrique Franco de Aquino, em seu artigo intitulado: “A Ampliação da Incidência de Institutos do Direito Civil aos Contratos Administrativos como Mecanismo de Aprimoramento da Gestão Pública”, que:
Desta forma, para que esse processo integrativo seja possível e para que o campo de atuação do direito administrativo torne-se mais dinâmico, é necessária uma flexibilização na forma de pensar o direito, possibilitando uma maior desburocratização da maquina estatal, fomentando a capacidade criativa como auxilio ao desenvolvimento. E, como fruto dessa desburocratização, percebe- se a ampliação da incidência de obrigações tipicamente civis aos contratos administrativos. (FRANCO, 2018, pg. 10)
Ou seja, mais do que necessária é a flexibilização na forma de se pensar o direito, mais especificamente o administrativo. Nesse diapasão, Fernando Henrique Franco de Aquino (2018, pg. 152) cita algumas matérias relativas aos contratos administrativos que sofrem reflexos do direito civil, trazendo-nos, por exemplo, o caso de revisão contratual como alternativa à resolução do contrato por onerosidade excessiva.
Para o nosso diploma civil, a onerosidade excessiva estará caracterizada quando a prestação do serviço se tornar excessivamente gravosa para uma das partes.
Assim, o próprio ato de, dentro dos contratos administrativos, poder-se exigir reajuste para equacionamento do equilíbrio econômico e financeiro, trata-se de instituto civilista aplicado e incorporado pelo direito público. Veja-se:
Deste modo, pode-se dizer que a necessidade de restabelecimento do equilíbrio econômico e financeiro do contrato administrativo advém da superveniência de prestações obrigacionais excessivamente imposta ao contratado da administração. Trata-se de matéria civilista já consagrada nos contratos administrativos como um todo e é um ponto extremamente importante nos contratos de prestação de serviços públicos, sobretudo os tidos como essenciais.
(...)
Deste modo, as tendências do direito obrigacional e dos contratos no Código Civil devem ser observadas nos contratos administrativos, uma vez que atuam de forma complementar (ainda que subsidiaria, conforme o artigo 54 da Lei 8.666/93) às obrigações dos contratos administrativos. Sendo possível, assim, desenvolver contratos mais condizentes com a dinâmica econômica e contratual do século XXI, de caráter negocial, superando o nosso modelo rígido contratual baseado no direito administrativo francês do século XIX. (FRANCO, pg. 152).
Logo, resta evidenciado que é plenamente possível a utilização das normas e princípios do Direito Civil dentro dos contratos administrativos, tanto pela autorização expressa do art. 54, caput, da Lei 8666/1993, quanto pela já incorporação, por parte do Direito Público, de institutos do Direito Civil, propriamente dito.
4 A ASSINATURA DO CONTRATO (RENOVAÇÃO DA PROPOSTA) COMO TERMO INICIAL PARA CONTAGEM DO REAJUSTE ANUAL EXIGIDO PELO ART. 3º DA LEI 10.192/2011.
Adentrando-se mais profundamente ao tema proposto pelo presente artigo, conforme assevera o art. 64, §3º da Lei 8666/93, o legislador determinou expressamente que, decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, os licitantes passam a estar livres dos compromissos previamente assumidos.
Ou seja, apesar de a contratação com o setor público ter como objetivo principal a supremacia do interesse público, neste caso, procurou-se garantir ao particular o direito de não ficar eternamente vinculado aos compromissos previamente acordados, dando-o a oportunidade de se manifestar e ainda assim firmar o contrato com a administração. Veja lição de Marçal Justen Filho em seu livro de comentários à Lei de Licitações
Pode ocorrer, inclusive, que o prazo aludido seja ultrapassado e que o licitante vencedor mantenha seu interesse em contratar. Embora vencido o prazo da lei, nada impede que a contratação seja efetivada. (JUSTEN FILHO, 2014, pg. 999)
Ocorre que, o procedimento licitatório tende a ser moroso por motivos que não são provocados pela Administração Pública, como a possibilidade de o particular fazer questionamentos, ou ainda impetrar recursos e contrarrazões aos recursos.
Ainda que transcorrido um longo período entre a apresentação da proposta e a assinatura da minuta contratual, é comum que o particular permaneça interessado em firmar ajuste com Administração Pública. Assim, temos a figura da renovação da proposta, isto é, a empresa contratada ignora as variações de mercado, assina o contrato, e, portanto, anui em manter termos anteriormente apresentados na licitação.
Tal fato é de extrema relevância para a seara da administração pois faz surgir uma discussão processual extremamente relevante, qual seja: É coerente que seja mantido o termo inicial para contagem do reajuste anual, conforme o exigido pelo Art. 3º da Lei Federal n. 10.192/2011 no presente caso?
Interpretando-se gramaticalmente o dispositivo legal, o §1º do supracitado artigo afirma que o termo inicial para reajuste contratual seria contado da data da licitação, ou do orçamento-base.
Todavia, uma interpretação meramente gramatical não é suficiente para abranger a situação acima descrita, em que o particular assina o contrato, mesmo após transcorridos os 60 (sessenta) dias estipulados por lei, sem qualquer ressalva quanto a desvalorização moeda e como esta repercute no valor de sua proposta.
Para resolver tal problemática, devemos nos valer de um meio de interpretação sistemático, trazendo normas do Código Civil a serem interpretadas juntamente com as de Direito Público.
Tal interligação é totalmente plausível, conforme autorizado pelo art. 54, caput, da Lei Federal n. 8666/1993, já explicado em tópico anterior. Assim, para iniciarmos a interpretação sistemática, devemos abordar o aperfeiçoamento de um contrato, seja na esfera civil ou pública.
Ao analisarmos a formação de um contrato particular, regido predominantemente pelo direito privado, temos que a manifestação da vontade é requisito primordial para seu aperfeiçoamento. Veja-se lição de Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2018, pg. 71):
A manifestação da vontade é o primeiro e mais importante requisito de existência do negócio jurídico. A vontade humana se processa inicialmente na mente das pessoas. É o momento subjetivo, psicológico, representado pela própria formação do querer. O momento objetivo é aquele em que a vontade de manifesta por meio da declaração.
(...)
A manifestação da vontade pode ser expressa ou tácita. Poderá ser tácita quando a lei não exigir que seja expressa (CC, art. 111).
Portanto, a manifestação de vontade é condição básica para aperfeiçoar qualquer contrato. Tal manifestação pode ser expressa ou tácita. Ser expressa é a regra, somente podendo ser tácita quando a lei não exigir o contrário, conforme disposto no Art. 111 do Código Civil brasileiro.
Assim, ainda conforme o mesmo artigo supracitado, o silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita de vontade quando as circunstâncias ou os usos autorizarem e inexistir a exigência de manifestação expressa.
Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra sobre a parte geral do direito civil, mais especificamente sobre os elementos do negócio jurídico nos ensina que:
O silêncio pode ser igualmente interpretado como consentimento quando tal efeito ficar convencionado em um pré-contrato, ou ainda resultar dos usos e costumes, com se infere do art. 432 do Código Civil. (GONÇALVES, 2017 pg. 356).
Portanto, diante da situação que se propõe discutir no presente artigo, o silêncio do contratado ao assinar o contrato com a administração (ante a inexistência de exigência de manifestação expressa), sem qualquer ressalva a respeito da necessidade de readequação dos termos impostos na proposta apresentada, importa no aperfeiçoamento inconteste dos termos do contrato, fazendo com que o termo inicial para contagem do reajuste seja a exata data de tal aperfeiçoamento.
Ou seja, ao ser convocado para assinatura do contrato, poderia o contratado, depois de ultrapassados os 60 dias da entrega de sua proposta, pleitear a atualização dos valores como condição para consumação contratual, visto que não está vinculado à proposta, conforme redação do art. 64, §3º da Lei Federal n. 8666/93 .
Seu silêncio, portanto, importa concordância tácita com os termos então pré-ajustados.
Além de seu silêncio configurar manifestação tácita de vontade em aperfeiçoar o contrato nos termos previamente acordado, tal atitude configura evidente preclusão lógica de seu direito em exigir o termo inicial para o reajuste seja contado de acordo com o §1º do Art. 3º da Lei Federal n. 10.192/2011.
Novamente nos utilizaremos de instituto oriundo do direito civil, qual seja: a preclusão, mais especificamente a preclusão lógica. A preclusão lógica é a extinção da faculdade de praticar um determinado ato processual em virtude da não compatibilidade de um ato com outro já realizado.
Ou seja, no caso aqui discutido, o contratado não exerceu seu direito de exigir a atualização dos valores como condição para assinatura do contrato, portanto, careceu para si o direito de ter o reajuste contado a partir do orçamento ou da apresentação da proposta.
Em face do exposto, uma vez que o licitante, no momento da assinatura do contrato, anuiu completamente com os termos já apresentados, sem qualquer ressalva, o termo inicial para contagem do reajuste deverá ser a partir da renovação dos termos de tal proposta, ou seja, do aperfeiçoamento do contrato.
Entender de forma diversa é retirar da Administração Pública a possibilidade de prévia análise sobre a vantajosidade da contratação, isto porque se o licitante vencedor a ser contratado intempestivamente assina o instrumento jurídico para e a, posteriori, pleitear reajustes contratual, permitir-se-á que a Administração Pública celebre contrato com valor superior ao licitado, sem ao menos oportunizar uma análise de vantajosidade.
Assim, entendemos que a regra é ofertar, mesmo após 60 (sessenta) dias - Art. 64, §3º da Lei Federal n. 8.666/93 - a celebração do contrato ao licitante originalmente vencedor sem reajuste contratual e, caso não aceite, oportunizar a todos os outros licitantes - Art. 64, §2º da Lei Federal n. 8.666/93 o mesmo direito. Eventualmente e somente na condição de nenhum licitante aceitar os termos contratuais sem reajuste é que se oportunizará ao primeiro colocado celebrar contrato administrativo com reajuste antes do início da avença. Tal situação se amolda perfeitamente ao principio esculpido no art. 37, caput da Constituição da República Federativa do Brasil, o principio da eficiência que deve imperar em toda a Administração Pública.
5 CONCLUSÃO
O reajuste pode ser conceituado como um dos instrumentos legais que visa manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Sua peculiaridade é que ele não decorre de fatos extraordinários, mas sim em função da elevação dos insumos que compõem o custo do objeto contratado.
As normas gerais para o reajuste dos preços praticados nos contratos administrativos estão firmadas nos artigos art. 40, inc. XI e 55, inc. III, da Lei Federal n° 8.666/1993 e artigos 1° a 30 da Lei Federal n° 10.192/2001. Neste sentido o art. 3º, §1º da Lei Federal n. 10.192/01 determina que o reajuste de preços possui periodicidade anual contada a partir da data-limite para a apresentação da proposta ou do orçamento-base a que se referir.
Todavia, é consabido que em diversas situações o processo licitatório é moroso, motivado por diversos fatores, como por exemplo, questionamentos, recursos, contrarrazões de recursos, entre outros.
É comum que o processo licitatório ultrapasse inclusive o período de 12 (doze) meses, para que o órgão licitante consiga proferir uma decisão final, que não caberá mais nenhum recurso dos envolvidos, bem como homologar e adjudicar o objeto da licitação para determinada empresa.
Tal situação acarreta prejuízos a empresa vencedora do certame, uma vez que em consequência do tempo, os preços inicialmente apresentados agora estarão defasados. Destarte, quando a empresa aceita assinar o contrato, nos mesmos termos da proposta apresentada na licitação, sem ressalvar as variações de mercado, observa-se o fenômeno da renovação da proposta.
Isso ocorre porque o §3º do art. 64 da Lei Federal n. 8.666/93 dispensa os licitantes de manterem suas propostas após 60 (sessenta) dias da data de entrega das mesmas, sem convocação para a contratação. Se assim o fazem, seu silêncio implica na concordância tácita com os termos pré-ajustados.
A partir de uma interpretação conjunta do §2º e §3º do art. 64 da Lei 8.666/93 e §1º do art. 3º da Lei 10.192/01, com as normas do Direito Civil, observa-se que a consequência da renovação da proposta é aplicação do instituto da preclusão lógica ao direito do contratado de ter o marco inicial da contagem do reajuste a partir da licitação ou apresentação da proposta.
Assim, como o contratado não exerceu seu direito de exigir a atualização dos valores, como condição para assinatura do contrato, a contagem do reajuste deverá ser a partir da renovação dos termos da proposta, qual seja, a data efetiva da assinatura do contrato.
Trazer essa perspectiva, para os contratos públicos, não é só adotar uma postura mais coerente com a legislação, como também proporciona a efetivação do princípio da economicidade, tendo em vista que a base de cálculo do reajuste passará a levar em consideração um tempo menor e consequentemente, ocasionará menos gastos aos cofres públicos.
REFERÊNCIAS
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