O Projeto de Lei 1.085/23 e suas gradações a fim de reduzir as discriminações de gênero concernente à remuneração para trabalhos iguais e de idêntica produtividade.

O Projeto de Lei 1.085/23 e suas gradações a fim de reduzir as discriminações de gênero concernente a remuneração para trabalhos iguais e de idêntica produtividade

Leonardo Falcão Ribeiro. Doutorando em Direito pela Universidade Federal de San ta Catarina - UFSC.
E-mail: leonardo.falcao23@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0009-0006-8553-6067
Celular: (71) 99140-9999.

Resumo

No Brasil e no mundo a desigualdade salarial entre homens e mulheres sempre apresentou uma acentuada diferenciação, o que fez com que a Organização Internacional do Trabalho aprovasse na 34ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1951), a OIT n. 100 que entrou em vigor no plano internacional em 23 de maio de 1953. Essa desemejante salarial está refletida para trabalho iguais, de idêntica produtividade, mas que as mulheres sempre receberam valores significativamente inferiores aos dos homens, realçando a discriminação com relação ao sexo. O governo brasileiro, bem recentemente, aprovou na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 1.085, de 2023, de autoria do governo Luiz Inácio Lula da Silva e objetiva criar mecanismos para evitar a distinção histórica entre salários pagos aos homens e as mulheres, evitando maiores distorções no mercado de trabalho. Todavia, a legislação brasileira já é recheada de normas que evitam tais diferenciações de gênero e ainda assim, novas leis precisam serem aprovadas para ratificar o já existente no ordenamento jurídico. O presente artigo visa responder a seguinte questão: ainda que existam diversas legislações no Brasil e no mundo sobre o tema, não obstante encontra-se e permenece uma longa diferenciação de gênero, no que concerne a remuneração. Desta forma, será possível que o PL n. 1.085/23 acabe com as referidas distorções? Para analisar e responder a questão, o artigo é dividido em três tópicos. O primeiro é uma breve intrudução sobre o contexto do mercado de trabalho, notadamente a questão do mercado ocupacional feminino. O segundo informa sobre as dificuldades de legislações préteritas – anteriores ao PL 1.085/23 – de terem aplicabilidade no Brasil objetivando a redução da desigualdade de gênero. Já o terceiro traz as inovações e diferenciações do PL 1.085/23 em detrimento de legislações préteritas e como este novo instrumento jurídico poderá auxiliar na redução da desigualdade em função do sexo. Por fim é feita uma conclusão obordando as principais questões discutida no presente artigo. O método aplicado será o dialético, buscando confrontar teses opostas, gerando respostas com profundidade e a devida maturidade, o que garantirá a criticidade ao documento.

Palavras-Chave: Diferenciação de gênero. Trabalho e Produtividades iguais. Remuneração. Projeto de Lei n. 1.085/2023

Bill 1.085/23 and its gradations in order to reduce gender discrimination concerning remuneration for equal work and identical productivity

Abstract

In Brazil and in the world, salary inequality between men and women has always presented a marked differentiation, which led the International Labor Organization to approve, at the 34th meeting of the International Labor Conference (Geneva - 1951), ILO No. 100, which came into force internationally on May 23rd, 1953. This wage gap is reflected for equal work, of identical productivity, but that women have always received significantly lower values than men, highlighting gender discrimination. The Brazilian government, very recently, approved in the House of Representatives, the Bill n. 1.085, of 2023, authored by the Luiz Inácio Lula da Silva government, and aims to create mechanisms to avoid the historical distinction between wages paid to men and women, avoiding greater distortions in the labor market. However, Brazilian legislation is already full of norms that avoid such gender differentiations, and even so, new laws need to be approved to ratify what already exists in the legal system. The present article aims to answer the following question: even though there are several legislations in Brazil and in the world on the subject, there is and still is a long gender differentiation with regard to remuneration. In this way, is it possible that PL n. 1.085/23 will put an end to these distortions? To analyze and answer the question, the article is divided into three topics. The first is a brief introduction to the context of the labor market, especially the issue of the female occupational market. The second informs about the difficulties of previous legislations - previous to PL 1.085/23 - of having applicability in Brazil aiming at the reduction of gender inequality. The third brings the innovations and differentiations of PL 1.085/23 in detriment of previous legislations and how this new legal instrument will be able to help in the reduction of inequality in function of the sex. Finally, a conclusion is made by agreeing on the main issues discussed in this article. The method applied will be dialectical, seeking to confront opposing theses, generating answers with depth and due maturity, which will guarantee the criticality of the document.

Key words: Gender differentiation. Work and Productivity equal. Remuneration. Bill No. 1,085/2023.
1. INTRODUÇÃO
Originalmente as mulheres trabalhavam em atividades agrícolas e com a revolução industrial a dinâmica do trabalho mudou, passando para o trabalho assalariado. Nisso, os homens ocuparam a maioria dos postos de trabalho, relegando as mulheres as atividades domésticas.
Na metade do século XIX, as mulheres desprovidas de renda tinham que trabalhar para ajudar no sustento familiar. Mulheres solteira conseguiam de forma mais fácil, achar trabalho.
O histórico da diferença remuneração do trabalho entre homens e mulheres foi inicialmente observado por Sidney Webb em 1891 e, inicialmente, justificou-se na inferioridade da produtividade, seja em virtude da quantidade produzida ou mesmo a qualidade. Todavia, a inferioridade salarial persista mesmo quando não era observado essas diferença de qualidade e quantidade produzida, o que o pesquisador entendeu ser um costume.
Existia um preconceito ao logo na primeira metade do século XX de que a produtividade feminina era menor em virtude do nível educacional, todavia tal assertiva caiu por terra com o advento da Primeira Guerra Mundial, onde as mulheres tiveram que ocupar o lugar dos homens nas atividades, visto que esses encontravam-se nas guerras.
Outro argumento para a diferenciação salarial foi que os homens necessitavam sustentar as famílias e aqueles que não possuíam família pretendia tê-las. Já as mulheres, muitas das vezes, não tinham famílias e moravam com os pais. Isso fez com que os homens pressionasse mais para maiores salários em detrimento das mulheres.
Neste contexcto, o estudo do mercado de trabalho feminino perpassa por analisar a própria história do mercado de trabalho mundial e, notadamente, o brasileiro. A introdução da mulher no mercado ocupacional é algo real, existente e em profunda transformação, mas ao mesmo tempo inacabado, incompleto e está consubstanciado na desigualdade e na precariedade.
A introdução da muher no mercado de trabalho tem gênese baseado no aumento da escolaridade destas, mudanças culturais e necessidades econômicas, provocando um verdadeira reviravolta nas relações entre homens e mulheres. Essas mudanças geram efeitos dos mais diversos possíveis como liberdade e autonomia, mas também subempregros e sobredesempregos.
Segundo Muruani e Hirata (2003) “os tempos são duros para a busca da igualdade. A crise de emprego, o crescimento potencial de um desemprego onipresente vieram a sufocar a legitimidade desse princípio que se pensava já admitido e conquistado. O crescimento do liberalismo, a repentina prosperidade do conceito de eqüidade, o grande poder do mercado e o declínio do Estado-providência contribuíram amplamente para remeter a idéia de igualdade entre homens e mulheres pas as calendas gregas”.
Historicamente o mercado de trabalho mundial feminino começou a se desenvolver e ser estudado na década de 1960, onde os primeiros pesquisadores começaram a identificar uma relativa introdução feminina, num ambiente que outrora era controlado pelos homens. A grande dificuldade inicial destes estudos estava baseado na saída de uma pré-história das ciências dos homens para uma ciência humana. Ao longo da década de 1970 e 80, esse foi o principal foco dos estudos, visto que a longa história retratava, além de uma baixa participação feminina no mercado de trabalho, a desmitificação de crenças enraizadas ao longo de muitos anos.
Nos anos 1990 o debate não mais estava baseado na existência de um mercado ocupacional feminino, mas sim na diferença dos sexos no mesmo mercado de trabalho. Ainda que existissem crises de emprego, altas taxas de desemprego, duráveis e estruturais, a progressão das atividades femininas mais que ratificaram o debate, que só fez evoluir e apresentar cada vez mais facetas marcante de uma sociedade altamente preconceituosa em gênero.
Ainda de acordo com Muruani e Hirata (2003) “as transformações das atividades femininas passaram por quatro elementos: a terceirização, o assalariamento, a continuidade das trajetórias profissionais, o sucesso escolar e universitário. Em 1997, na França, quatro mulheres em cada cinco trabalhavam no setor terciário, comparativamente aos homens que era na proporção de um a cada dois. Noventa por cento delas era asslariadas, em contraposição a 84% dos homens. A grande maioria das mulheres não interrompe mais sua atividade quanto tem filhos: 80% das mulheres entre 25 e 49 anos são ativas. Na escola, como na universidade, em todas as camadas sociais, as meninas saem-se melhor que os meninos”.  
Ainda que analisado os dados da França no parágrafo anterior, muito do mercado de trabalho francês refletia a realidade ocidental, com pequenas diferenças. Todavia, o que demonstrou uma forte evolução feminina no mercado de trabalho, não se refletiu em diminuição das diferenças de gênero, aliás e muito pelo contrário, analisando num contexto olistício, as diferenças mais se acentuaram nos últimos anos em detrimento da década de 1960, quando se compara, por exemplo, que as mulheres são mais instruídas que os homens, mas continuam ganhando menos.
Uma das principais justificativas apontadas, na visão de Muruani e Hirata (2003) é “a a atonia das políticas públicas em favor da desigualdade. Entre os inícios dos anos 1970 e dos anos 1980 praticou-se um legislação antes discriminatória: às leis de 1972 sobre a igualdade de remuneração e a de 1975 sobre a não discriminação na contratação, juntou-se a lei de 1983 sobre a iguadade profissional. Desde então, nada mais. E ainda mais deplorável: sabe-se que estas leis não funcionam, que elas não impedem nem a discriminação na contratação, nem as desigualdades de salário e de carreira, e que a vontade de igualdade, de oportunidades só existem no papel”.
Noutra vertente viu-se ecolodir políticas de emprego “neutras”, ou seja, políticas públicas não voltadas para a precariedade do emprego feminino e desigualdades de sexo, mas sim direcionadas sobre desemprego de certas categorias específicas, algumas encantátorias sobre a conciliação de vida profissional e pessoal,  os “empregos de proximidades” e também o desenvolvimento do trabalho em tempo parcial, que por suas características são fonte de subempregos e pauperização.
No Brasil a diferenciação de salário entre homens e mulheres piorou de 2006 para 2018, onde saiu de uma taxa de 51% do salários dos homens para 49%

 LEGISLAÇÃO BRASILEIRAS ANTERIORES AO PROJETO DE LEI N. 1.085/23

    A legislação brasileira é recheada de normas jurídica que versem sobre igualdade de remuneção entre homens e mulheres para trabalhos iguais e com idêntica produtividade. Existem normas jurídica antes mesmo da Constituição Federal de 1988. Na 34ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em Genebra, no ano de 1951 foi aprovada a OIT n. 100 que versa a Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor. A referida norma jurídica da OIT entrou em vigor no plano internacional em 23 de maio de 1953.
No Brasil a mesma foi aprovada através do Decreto Legislativo n. 24, de 29 de maio de 56, do Congresso Nacional. Ratificada em 25 de abril de 1957. Promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957 e entrou em vigência nacional na data de 25 de abril de 1958.
Inicialmente é importante pontuar o conceito, segundo a norma da OIT, de remuneração. O termo compreende o salário ou o tratamento ordinário, de base, ou mínimo, e todas as outras vantagens, pagas direta ou indiretamente, em espécie ou in natura pelo empregador ou trabalhador em razão do emprego deste último. Já o conceito de igualdade refere-se a igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor, se refere às taxas de remuneração fixas sem discriminação fundada no sexo.
Ainda neste tópico é salutar trazer a baila que a norma da OIT n. 100, ratificada pelo Brasil, não considera discriminação de gênero, diferenças salariais baseadas em critério objetivos, notadamente a questão de produtividade do trabalhador e carga horária de trabalho. Isso significa que, ainda que exista diferença de remuneração entre homens e mulheres, se as mesmas estiverem consubstanciadas em critérios objetivos não implicam em desrespeito a norma internacional, ratificada pelo Brasil.
Ainda na linha das normas existentes atualmente deve-se destacar, segundo a pirâmide de Hans Kelsen, a Constituição Federal em seu art. 5º e 7º que informa a igualdade de todos os brasileiros natos e naturalizados perante a lei e também a proibição de diferença salarial por motivo de sexo. Na Consolidação das Leis Trabalhistas em seu art. 461 também existe norma semelhante, em sintonia com a OIT nº 100 e a Constituição Federal, que proíbe discriminação por motivo de gênero, define o que é trabalho de igual valor e abre a possibilidade do juiz, no processo judicial, aplicar multas e reconhecer a equiparação devida. Já na Lei nº 14.457, de 2022 é garantido o direito de salário igual para as mulheres empregadas, desde que exerçam a mesma função para o mesmo empregador.
Das normas elencadas anteriormente, verifica-se que antes mesmo do PL nº 1.085, de 2023 no Brasil já consta vasta legislação que objetiva atacar a diferenciação de remuneração em função do sexo. Todavia, um ponto em comum entre todas essas legislações é que nenhuma delas contém um rol taxativo de sanções, ou seja, o não cumprimento da norma não se traduz em sanção para as empresas que a descumprem, implicando em letra morta na legislação. Na mesma seara é a falta de fiscalização pelos órgão de controle, seja por falta de expressa previsão legal, seja por dificuldade de enquadramento legal a realidade fática do conteúdo normativo, isto porque, as possibilidades de interpretações das leis permitem as empresas se esquivarem de sua aplicação.
Somado as situações anteriores, a única forma efetiva de aplicação da norma é envolvendo um processo judicial, todavia, a busca pela Poder Judiciário, nem sempre se materializa pela trabalhadora discriminada, seja por dificuldade no acesso à justiça ao medo de impactos negativos em sua reputação no mercado. Tem-se ainda que os diminutos casos de busca da justiça laboral para os referidos objetos, implicam também que, ainda que se obtenha um êxito processual, a autora discriminada por gênero na questão salarialnão obterá grandes resultados, isto porque, as multas por descumprimento da legislação trabalhista, em geral são muito baixas para penalizar os grandes empregadores, o que transforma em mais um incentivo ao descumprimento, em detrimento dos custos vinculados a efetivação da norma.
Importante consignar que as empresas que realizam as contratações participam do mercado capitalista e que a análise econômica do direito, notadamente para esses casos, é realizada concomitantemente, objetivando maiores lucros. Desta forma é ululante que, existindo multas irrisórias, os custos de cumprimento da legislação trabalhista são maiores para as empresas do que a aceitação de uma eventual sanção, a uma: porque estas são insignificantes e a duas: porque o quantitatido de autoras deste referido objeto também é muito reduzido. Ademais e não menos importante é extremamente complexo estabelecer e provar que os trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é resultado de discriminação. Em outras palavras, as legislações brasileiras hoje existentes, pela sua má formação na origem, mais desincentivam do que incentivam a política de igualdade de remuneração entre homens e mulheres.
Ainda no contexto da possibilidade de aplicação das referidas normas somente no processo judicial, pelos motivos outrora expostos, é basilar que o CPC em seu art. 373 traz que o ônus da prova compete ao autor sobre os fatos que este alegar, ou seja, compete a mulher discriminada por gênero ter que provar na justiça que sofreu ou sofre discriminação por gênero. Além da difícil tarefa de realizar a referida prova, existem requisitos bem específicos para determinar que os trabalhos são idênticos e não é a mera nomenclatura do cargo que garante que a pessoa deve ganhar a mesma coisa. Isto é, não é só ter o mesmo cargo, mas realizar as mesmas tarefas, com a mesma perfeição técnica e com a mesma produtividade. Além disso, a diferença de tempo exercendo a função também pode justificar o pagamento diferente. Todos esse detalhe em conjunto fazem com que as empresas os utilizem para justificar diferenças salariais.
Efetuada essa digressão é possível observar, através dos dados do IBGE, do ano de 2019, que no Brasil estamos muito longe de uma realidade ideal para a igualdade de remuneração no mercado entre homens e mulhereas, já que o sexo feminino, em média, ganham 77,7% do salário dos homens apesar da população feminina ter um nível educacional mais alto. Quando se considera apenas cargos de gerência, diretoria e outros de maior salário, a diferença é ainda maior - as mulheres nesses cargos ganharam na média apenas 61,9% do que os homens receberam.
Analisando-se ainda outros dados verifica-se, dentro do mesmo estudo, que a realidade para a mulher no mercado de trabalho é ainda mais brutal, quando se comparada a existência de filhos menores de 3 anos. Na faixa etária dos 25 aos 49 anos, o nível de ocupação das mulheres com filhos até a referida idade é de 54,6%, muito inferior aos 67,2% das mulheres que não tem filhos. A situação piora draticamente quando comparado ao sexo masculino. Neste grupo, os homens que vivem com crianças de até 3 anos tem uma taxa de ocupação de 89,2%, sendo até mesmo superior aos 83,4% daqueles que não tem filhos.
Quando é inserido outros componentes de discriminação, como por exemplo, a cor da pele os números são alarmantes. Mulheres pretas ou pardas apresentam índice de ocupação menores do que 50% quando considerado a existência de filhos menores de 3 anos vivendo as suas expensas, enquanto que na mesma situação mulheres brancas apresentam uma taxa de mais de 25% superior, ou seja, 62,6%.
No mesmo estudo é possível observar que não existe influência educacional na desigualdade, visto que, para a população de 25 anos ou mais, enquanto 37,1% das mulheres não tinham instrução ou apenas possuíam o ensino fundamental incompleto, no caso dos homens esse percentual saltava para 40,4%. No caso do nível universitário, a falta de influência educacional se mantém, visto que, 19,4% das mulheres possuem nível superior, em detrimento de 15,1% dos homens.
Da exposição é possível observar que no Brasil, assim como em diversos países ocidentais, a diferença de remuneração entre homens e mulheres existe, é uma realidade e precisa ser combatida, mas que no nosso caso específico, as legislações até agora existentes pouco contribuíram, ou até mesmo desestimularam uma redução dessa discriminação de gênero.

PROJETO DE LEI Nº 1.085/2023

        Inicialmente é importante destacar que não é somente o PL nº 1.085/2023 que encontra-se em tramitação nas Casas Legislativas brasileira. Existem pelo menos mais 2 projetos de lei em curso, quais sejam: o PL nº 1.558, de 2021 de autoria do deputado Marçal Filho (MDB), cujo número anterior era Projeto de Lei nº 6.393/09 e tem como objetivo acrescentar o §3º ao art. 401 da CLT, a fim de estabelecer multa para combater a diferença de remuneração verificada entre homens e mulheres no Brasil.
        Observa-se que a ideia do projeto de lei vai de encontro a todas as legislações anteriormente existentes, não resolvendo o problema básico da produção de provas, da fiscalização e nem criando critérios objetivos de implementação.
        O outro Projeto de Lei em curso é o 111 de 2023, apensado ao PL 1.230 de 2020, de autoria da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL) e tem entre suas atribuições tornar obrigatória a equiparação salarial entre homens e mulheres para funções ou cargos idênticos e prever mecanismo de fiscalização em relação ao seu cumprimento.
        Diferentemente do PL nº 1.558, de 2021, este PL traz consigo uma evolução no que tange a resolução da questão vinculada a falta de fiscalização, já que este sempre foi um problema em todas as legislações aprovada até o momento no Brasil. Por outro lado, deixa a desejar no que se refere a mecanismos objetivos de aferição de descumprimento da legislação, bem como facilitações de meios de prova por parte da mulher discriminada. Observa-se que a intenção legislativa, apesar de boa, nos presentes casos, ainda deixa a desejar para a solução fatal do problema.
        Com o objetivo de resolver todas as questões referente a não concretização das políticas públicas vinculadas a não discriminação por motivo de gênero afeito a remuneração, na data de 13 de março de 2023 o Governo Federal, cujo presidente é o Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva apresntou ao Plenário da Congresso Nacional, o PL nº 1.085/2023 cuja ementa original era “Dispõe sobre a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens para o exercício de mesma função e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”. Após a tramitação na Casa Legislativa – Câmara dos Deputados, o mesmo foi aprovado com alteração possuindo como NOVA EMENTA: “Dispõe sobre a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”.
        Impende frisar que no referido PL a relatora na Câmara dos Deputados foi a Excelentíssima Senhora Deputada Jack Rocha (PT-ES), no qual emitiu o parecer preliminar na data de 02 de maio de 2023. Antes da designação da relatora, o referido projeto de lei, na data de 11 de abril de 2023, teve apresentação de pedido de urgência n. 1130/2023 pelo Deputado José Guimarães (PT/CE -Fdr PT-PCdoB-PV) e outros. Na data de 12 de abril de 2023 foi apresentado requerimento de apensação n. 1149/2023 de autoria da Deputada Federal Alice Portugal (PT/CE -Fdr PT-PCdoB-PV) que entre o pedido consta: “Requer, nos termos dos artigos 139, I e 142, parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que o Projeto de Lei n° 5.631, de 2020, de minha autoria, seja apensado ao Projeto de Lei n° 1.085/2023, do Poder Executivo”.
        No parecer de lavra da Deputada Jack Rocha (PT-ES) ela destaca que o referido projeto de lei é importante pois estabelece mecanismos de transparência remuneratória, respeitados os princípios estebelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, incrementa a fiscalização contra a discriminação, a aplicação de sanções administrativas mais rigorosas e a facilitação de meios processuais para a garantia da igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens. Continua a Deputada informando que a proposta cria meios para que a desigualdade seja verificada, punida e sanada, contribuindo para a garantia de direitos das trabalhadoras.
        Na data de 04 de maio de 2023 foi aprovado o PL nº 1.085/2023 com alterações. Na data de 10 de maio de 2023 foi remetido ao Senado Federal para deliberação. Entre as mudanças destaca-se que os principais problemas das legislações anteriores foram fortemente enfrentados, notadamente os valores pífios de multa por descumprimento da legislação e incremente de forte mecanismos de fiscalização.
        O referido projeto de lei possui 7 artigos, sendo que no seu artigo terceiro é realizada uma alteração do art. 461 da CLT e destaca-se por possibilitar ação de indenização por danos morais, mesmo existindo o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado. Ou seja, é uma medida que benefícia o empregado discriminado em detrimento da empresa discriminadora, ensejando a não existência de preclusão do direito, ainda que ocorra o ressarcimento das diferenças salariais. Na mesma alteração ainda é imputada uma possibilidade de multa de até 10 vezes o valor do salário devido a empregada discriminada e elevada ao dobro em caso de reincidência, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
        A mais importante inovação do PL nº 1.085/2023 refere-se ao art. 4º, visto que é neste momento que a inovadora legislação traz fortes mecanismos de fiscalização e garantias, objetivando uma maior concretude da nova norma, em detrimento de toda a legislação anterior que deixou a desejar neste tópico. Acrescente-se também que a nova norma jurídica muito se coaduna com as opiniões dos organismos internacionais de como dar maior materialidade a legislação que objetiva evitar a discriminação de gênero nas remunerações.
        Entre as inovações legislativas tem-se a criação de mecanismos de transparência salarial e remuneratória, para todos, mas principalmente obrigatório para empresa com mais de cem empregados. Esse conjunto de atribuições é muito importante para que não limite-se a fiscalização pelo poder público, mas e principalmente pela sociedade civil organizada, pelos profissionais envolvidos e também pela mídia. A transparência nos rendimentos dos empregados permitirá um comparativo amplo, sem necessidade de oficiar a empresa envolvida, já que será disponibilizado em locais públicos de fácil acesso, como por exemplo a rede mundial de computadores.
        Na mesma esteira do preceituado outrora, a legislação mui sabiamente foi cautelosa com o respeito a privacidade, bem como o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados, tanto que a publicidade que deve ser dados pelas empresas será de forma anônima e objetivará não somente a discriminação de gênero com relação a remuneração, mas vai mais além abarcando outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade. Na mesma linha a lei avançou fortemente e estabeleceu a sanção em caso de descumprimento da referida publicidade, definindo a multa de 3% (três por cento) sobre o valor total da folha de pagamento limitada a 100 (cem) salários mínimos, ou seja, R$ 132.000,00 (cento e trinta e dois mil reais), em valores atuais, sem prejuízos de outras sanções.
        Um outro ponto de destaque na legislação é que se for configurado desrespeito a norma que estabelece eqüidade de remuneração entre homens e mulheres, deverá a pessoa jurídica de direito privado implementar plano de ação para reduzir a desigualdade com o estabelecimento de metas e prazos bem definidos, independentemente de participação da sociedade civil e entidades de classes sindiciais, garantidas a estas a participação.
        Observa-se que a lei não colocou a nominata de empresas e sim pessoa jurídica de direito privado, pondendo até mesmo atingir empresas públicas e sociedades de economia mista dos governos, mas a referida norma não abarca a Administração Direta da União, Estados, Munícipios e Distrito Federal, nem suas autarquisas e fundações públicas. Outro ponto é que apesar da boa intenção da norma, a mesma não trouxe no seu bojo os prazos e nem definiu de forma objetiva as metas que as pessoas jurídicas de direito privado deverão cumprir em caso de desrespeito a legislação que defini igualdade de remuneração entre homens e mulheres, deixando ao cargo do Poder Executivo a instituição desses protocolos.
        Outro canal efetivamente criado pelo Projeto de Lei objetivando dar maior efetividade a norma versa sobre a criação de canais específicos para denúncias de discriminação salarial. A criação do referido canal, apesar de já existente anteriormente, seja através do Ministério Público do Trabalho ou mesmo ouvidoria do próprio Ministério do Trabalho e Emprego, obriga também as pessoas jurídicas de direito privado a possuírem tais canais de reclamação, visando adotar políticas internas para prevenção, bem como diminuição de tais práticas. Essa solução é muito salutar, porque possibilitará mais órgãos e as próprias empresas obterem conhecimento de práticas indevidas em suas unidades/departamentos, e reduzirá, substancialmente a exposição dos denunciantes, evitando assim práticas de perseguição e penalização no próprio mercado de trabalho.
        Os últimos dois pontos relevantes da legislação concernente a medidas para efetivação da lei contra a discriminação slarial de gênero versa sobre a capacitação e treinamento dos envolvidos, sejam eles gestores, diretores ou mesmo os empregados. Tal situação é importante porque o treinamento constante, com aferição de resultados, ensejará em evolução do quadro profissional da pessoa jurídica de direito privado, destacando a importância da eqüidade e do respeito, objetivando uma sociedade mais justa e igual. Na mesma linha é obrigação das empresas e do Poder Público a capaticação das mulheres para ingresso, permanência e ascensão no merdado de trabalho em iguadade de condições aos homens. Um ponto de crítica neste tópico reside no fato de que a legislação não estebeleceu critérios objetivos de como se dará essa qualificação, deixando mais uma vez a cargo do Poder Executivo Federal essa atribuição.
         

CONCLUSÃO

O problema da discriminação de gênero no que se refere a remuneração existe desde os primórdios da inserção da mulher no mercado de trabalho, dotado do final do século XIX. No início o preconceito existente era baseado em justificativas vinculadas a falta de formação profissional e acadêmica, quantidade de horas trabalhadas e, principalmente, produtividade da mão-de-obra feminina, que e sem dados concreto, dizia-se ser inferior a masculina. Tais argumentos, durante um longo período serviu para fundamentar as discriminação de gênero na remuneração.
Com o advento da 2ª Grande Guerra e a necessidade proeminente de mulheres ocuparam postos de trabalho, em virtude da falta de mão-de-obra masculinar por estes estarem no campo de batalha, viu-se que alguns argumentos outrora aceitos cairam por terra, já que as mulheres passaram a realizar as atividades, que anteriormente eram dos homens de forma igual e até mesmo melhor, possibilitando a continuidade produtiva.
Na década de 60 o mercado de trabalho da mulher explode muito por causa da Época de Ouro do capitalismo pós-guerra, que necessitou cada vez mais de trabalhadores para as indústrias e serviços. Observa-se uma crescente feminização do mercado de trabalho. Juntamente com este fenômeno, ocorre também uma maior e melhor formação das mulheres comparativamente aos homens, onde estás passam a ter maiores tempo de estudo e formação profissional, acabando com mais outroa argumento utilizado no ínicio do século para justificar a diferença salarial entre homens e mulhres.
Na década de 1990, a discussão não estava mais pautada na participação das mulheres no mercado de trabalho ou mesmo na sua formação ou produtividade, todos esses aspectos já eram superados e comprovados a capacidade feminina. O que estava em vitrine neste momento era que mesmo as mulheres tendo maiores formações acadêmicas, mesma ou maior capacidade produtiva, trabalhando a mesma carga horária ainda recebiam, a titulo de remuneração, valores significativamente inferiores aos dos homens e essas amplitude era majorada quando comparado por diferente extratos sociais, por exemplo mulheres, negras, com filhos, etc.
Na esteira dos processos de discriminação existentes, o Brasil aprovou diversas legislações sobre a temática, antes e depois da Constituição Federal, seja ratificando normas internacionais, seja dentro da própria Constituição - dando status constituional a matéria -, seja através de normas infra-constituicionais. Todavia, em todos os casos observou um atecnia das legislações porque não previram de forma severa sanções pelo desrespeito da norma ou porque não estabeleceram critérios objetivos que pudessem dar concretude a esta mesma norma.
Neste espaço deixado pelas legislações anteriores é que vem a lume o Projeto de Lei nº 1.085, de 2023 recentemente aprovado na Câmara dos Deputados. O referido projeto, apesar de vanguardista em algumas questões, em verdade objetiva resolver as lacunas deixadas pelos diversas normas que lhe antecederam, dando maior ênfase a questões de regras que possibilitem efetivar todas as leis existentes.
Desta forma, ainda que seja um projeto de lei pendente de apreciação e posterior aprovação pelo Senado Federal e sanção presidencial, verifica-se que a atitude do Poder Público brasileiro, objetivando maior transparência, fiscalização, aumentando as sanções e possibilitando a criação de novas políticas pública sobre a questão da discriminação de remuneração entre homens e mulheres no mercado de trabalho é de suma importância porque enfrentará fortemente um dos principais problemas das legislações anteriore.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Constituicao-Compilado (planalto.gov.br). Acesso em 15 maio. 2023.

BRASIL. Decreto-Lei no. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: DEL5452 (planalto.gov.br). Acesso em 17 maio. 2023.

BRASIL. Decreto Legislativo no. 24, de 1956. Aprova as Convenções do Trabalho de números 11, 12, 14, 19, 26, 29, 81, 88, 89, 95, 96, 99, 100 e 101, concluídas em sessões da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho. Disponível Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br). Acesso em 15 maio. 2023.

BRASIL. Decreto Legislativo no. 41.721, de 25 de junho de 1957. Promulga as Convenções Internacionais do Trabalho de números 11, 12, 13, 14, 19, 26, 29, 81, 88, 89, 95, 99, 100 e 101, firmadas pelo Brasil e outros países em sessões da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: decreto-41721-25-junho-1957-380507-normaatualizada-pe.pdf (camara.leg.br). Acesso em 15 maio. 2023.

BRASIL. Lei  no. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: L13105 (planalto.gov.br). Acesso em 18 maio. 2023.

BRASIL. Lei  no. 13.709, de 14 de agosto de 18 Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Disponível em: L13709 (planalto.gov.br). Acesso em 18 maio. 2023.

BRASIL. Lei  no. 14.457, de 21 de setembro de 2022. Institui o Programa Emprega + Mulheres; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 11.770, de 9 de setembro de 2008, 13.999, de 18 de maio de 2020, e 12.513, de 26 de outubro de 2011. Disponível em: L14457 (planalto.gov.br). Acesso em 17 maio. 2023.

BRASIL. Projeto de Lei n o. 1.085-B, de 2023. Dispõe sobre a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: pl 1085-23 (camara.leg.br). Acesso em 18 de maio. 2023

BRASIL. 2ª edição Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Disponível em: Estatísticas de Gênero - Indicadores sociais das mulheres no Brasil | IBGE. Acesso em 17 de maio. 2023

OIT. C100 - Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor. Disponível em: C100 - Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor (ilo.org). Acesso em 15 de maio. 2023.

AMARO, R., SANTOS, A. Serviços de proximidade em Portugal. Ministério para a Qualificação e Emprego; 1997.

BARROS, R. P. de, MENDONÇA, R. Os Determinantes da Desigualdade no Brasil. Perspectiva da Economia Brasileira, IPEA. Brasília, V. 2, p. 421-473, 1996.

BETTIO, F.Corsi; Díppoliti; C.; Lyberaki, A. SAMEK, Lodovici, M and VERASHCAGINA, A. The impact of the economic crisis on the situation of women and men and on gender equality policies, Luxemburg, 2013.

FLIPO, Anne. Emplois de proximité, Conseil d`Analyse Économique; 1998.

GOODE, W. J.; HATT, P. K. Métodos em pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

GUIMARÃES, Nadya Araujo. “Os desafios da equidade: reestruturação e desigualdades de gênero e raça no Brasil”. Cadernos Pagu, n. 17-18, p. 237-266, 2002

LEITE, Marcia de Paula; SALAS, Carlos. “Trabalho e desigualdades sob um novo modelo de desenvolvimento”. Tempo Social, USP, v. 26, n. 1, p. 87-100, 2014

LUPICA, Carina. “Instituciones laborales y políticas de empleo: avances estratégicos y desafíos pendientes para la autonomía económica de las mujeres”. Cepal – Repositorio Digital. Chile: Cepal, 2015. (Serie Asunto de Género, n. 125)

MARUANI, Margaret., HIRATA, Helena (organizadoras). RAPKIEVICZ, Clevi (tradutora). As novas fronteiras da desiguldade: homens e mulheres no mercado de trabalho. 1ª. ed São Pauo.:Senac São Paulo, 2003.

RUBERY, Jill. OIT. Closing the gender pay gap: A review of the issues, policy mechanisms and International evidence. Geneva: Koukiadaki, Aristea. International Labour Office–ILO, 2016.